domingo, 9 de junho de 2013

EDITORIAL

Dias terríveis vivemos. Parece até que chegamos à última crise de que falava Blanc de SAINT-BONNET, o grande pensador católico do século XIX. Já não há convicções, já não há princípios que defender. 
Os homens de boa vontade, debalde se perguntam onde está a verdade. Tudo é objeto de discussão e nada se sustenta diante do império da opinião: eis o princípio em que se assenta a decantada e aureolada democracia. Daí a análise acertada de Jean MADIRAN: “Data terrível na história do mundo moderno aquela em que os homens decidiram que, doravante, a lei seria a expressão da vontade geral, quer dizer, a expressão da vontade dos homens; o dia em que os homens decidiram dar a si mesmos sua lei; o dia em que declinaram no plural o pecado original. Pecado fundamental, rebelião essencial pela qual o homem quer dar a si mesmo sua lei moral, afastando a que havia recebido de Deus. Em 1789 esta apostasia se fez coletiva. Se converteu no fundamento do direito político. A democracia moderna é a democracia clássica em estado de pecado mortal”.
A partir de então, se uma maioria decide que o círculo é quadrado e que o roubo é uma virtude, não nos resta senão adequarmo-nos à lei, pois, afinal, ela é a expressão da vontade geral, da vontade do povo. Frente a ela nada resiste. Como dizia o insuspeito Albert CAMUS no princípio de seu livro O homem revoltado: “Se nada é verdadeiro nem falso, bom ou mau, a regra será mostrar-se o mais eficaz, quer dizer, o mais forte”. Um agnóstico como Charles MAURRAS, soube prognosticar com agudeza: “sem a unidade divina e suas conseqüências de disciplina e de dogma, a unidade mental, a unidade moral, a unidade política desaparecem ao mesmo tempo: não se podem recobrar sem que se restabeleça a unidade primeira. Sem Deus, não existe o verdadeiro, nem o falso, nem o direito, nem a lei. Sem Deus, uma lógica rigorosa equipara a pior das loucuras às razões mais perfeitas”. João Paulo II dizia – não sem razão – que “a verdade não pode ter como medida a opinião da maioria”; mas que fazer se a “opinião” é o próprio fundamento da democracia como a entenderam os revolucionários de 1789? Com efeito, o pluralismo ideológico – corolário dessa mesma democracia – colocou sobre a agenda da justiça a tarefa de proclamar os critérios morais da sociedade e assim – como acentua o jurista espanhol Antonio LÓPEZ PINA – “os tribunais constitucionais substituíram as igrejas na tarefa de definir os parâmetros morais da cultura”. É o que fez o STF ao reconhecer a “união estável” entre homossexuais e declarar a morte jurídica dos pequeninos seres que padecerem de anencefalia. Hoje não se crê em nada e a ausência do tribunal do Senhor no foro íntimo se testemunha pelo caráter terrífico de nossas instituições políticas, como assinala Rubén CALDERÓN BOUCHET. Nunca houve na história tão boas intenções e pretextos justiceiros. Nunca o poderoso foi mais egoísta e brutal e o pobre mais ressentido e invejoso. Mais direitos do homem, da mulher e do animal. Nunca se massacrou tanta gente com mais frieza e com mais falta de sentimentos humanitários. É interessante notar a sincronia de ação com que os grupos abortistas atuam em todo o mundo em sua obstinada e perversa luta pela legalização da matança dos pequeninos no ventre materno. Hoje se fala dos chamados “direitos trágicos de uma sociedade desestruturada”, que sancionam condutas alheias a toda coação social e política (liberdade negativa, considerada a única forma de liberdade verdadeira). Não é isso que vemos no Programa Nacional de Direitos Humanos-3 (PNDH-3) e no atual Projeto de Código Penal que tramita no Senado?
Vivemos, pois, uma época de “desligação” – de ausência de vínculos, raízes, laços – época que padece da ausência de fundamentos, que tem como conseqüência a perda da saúde espiritual. Esta enfermidade do espírito é como a anemia profunda de que fala George BERNANOS: “O sintoma mais geral dessa anemia espiritual, constatarei com segurança: a indiferença ante a verdade e a mentira (...)”. E acrescenta: “Essa indiferença oculta, melhor, um cansaço, uma espécie de asco da faculdade de julgar. Mas a faculdade de julgar não pode exercitar-se sem certo compromisso interior. Quem julga se compromete. O homem moderno já não se compromete por que já não tem nada que comprometer”. Em sua Carta ao General X, não evocava Antoine de SAINT-EXUPÉRY esse “gado doce, educado e tranqüilo, extraordinariamente bem castrado”?
Hoje compreendemos melhor as palavras de Nossa Senhora em La Sallete no ano de 1846: “Os governantes civis terão todos um mesmo objetivo, que consistirá em abolir e fazer desaparecer todo princípio religioso para dar lugar ao materialismo, ao ateísmo, ao espiritismo e a toda espécie de vícios”. No entanto, é necessário lembrar o que disse o Padre Henri RAMIÈRE, apóstolo eminente do ideal de Cristo Rei: “A sociedade depois de ter seus fundamentos morais gradualmente minados pelo egoísmo, em vez de se expandir sem cessar e fortalecer, desmorona-se e cai numa ruína completa. Sucedeu, quase sempre, que os responsáveis pela construção recusaram a influência salutar da Igreja”.

Fernando Rodrigues Batista

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