domingo, 9 de junho de 2013

A SACRALIDADE DO MATRIMÔNIO


José Pedro GALVÃO DE SOUSA (1912-1992), saudoso catedrático de Teoria Geral do Estado, tendo lecionado também História do Direito Nacional, não foi apenas o estudioso da filosofia política e da história, que nos deu entre outros livros, “Política e Teoria do Estado”, “Iniciação à Teoria do Estado”, “Introdução à História do Direito Político Brasileiro”, “Raízes históricas da Crise Política Brasileira” e “A Historicidade do Direito e a Elaboração Legislativa”, pois se debruçou sobre outros campos do conhecimento, nos trazendo nestas linhas que retiramos de um precioso artigo originalmente intitulado “O Divórcio e a Família do Futuro” publicado na excelente e infelizmente extinta revista Hora Presente (N. 9, Maio de 1971), lições mais do que nunca atuais.

Sacrifício: de sacrum facere. Os sofrimentos em comum, na vida matrimonial, têm o sentido de uma oblação. O matrimônio realiza-se na sua plenitude e torna-se fonte de verdadeira felicidade quando os sacrifícios que exige são oferecidos a Deus, na comum convicção dos cônjuges de que ao homem não cabe separar o que Deus uniu.
Esse sentido mais profundo do casamento encontra-se nos povos primitivos e foi expresso na limpidez dos conceitos do direito romano: nuptiae sunt coniunctio maris et feminae et consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio (Modestino, D. 23. 2. 1).
Foi preciso chegar ao neopaganismo contemporâneo – muito mais perverso do que o paganismo dos antigos gentios, porque este era o de uma sociedade que viveu sem conhecer o Cristianismo nem a Revelação mosaica, mas assim mesmo tinha consciência do sagrado e respeitava a lei natural, ao passo que o neopaganismo de hoje procede uma rejeição da mensagem cristã – para que o ao casamento e à família negassem os seus fundamentos religiosos.
Como nos lembra Jean Daujat, “o mundo moderno é o mundo que rejeitou as tradições religiosas sobre cujo fundamento a humanidade vivera até ai, e que se constituiu em revolta contra o Cristianismo e contra a civilização cristã que o precedera”. (DAUJAT, Jean. O Cristianismo e o homem contemporâneo, Porto: Livraria Tavares Martins, p. 22).
O divórcio, em nossos dias, é expressão do individualismo, ou seja, do “humanismo absoluto” do homem moderno, que se manifesta em duas etapas: o individualismo propriamente dito e o coletivismo, este, resultado e continuação daquele, sendo no fundo o individualismo levado ao extremo.
Frisa-lo o mesmo autor na obra citada (p. 21-22): “O humanismo absoluto do mundo moderno pode, aliás, tomar duas formas. Na primeira, que prevaleceu aos séculos XVIII e XIX, é o individualismo que reivindica uma independência e uma soberania absolutas: a sociedade, neste caso, unicamente pode ser um contrato livremente consentido só por ele, e onde ele faz a lei. É desta maneira que se terá uma sociedade arrastada pelas tendências e interesses contrários dos indivíduos e onde desaparece a noção de bem comum”. Daí a lei do divórcio, sobrepondo o bem particular dos cônjuges ao bem comum. Tal individualismo caracteriza a sociedade liberal fundada nos princípios da Revolução de 1789.
Daí para o coletivismo é um passo: “bem depressa o indivíduo sentirá a incapacidade de exercer a soberania, e deixa-se absorver na potência da coletividade. Bem depressa igualmente os mais apetrechados explorarão e dominarão os outros. E deste modo se passará do individualismo ao coletivismo: o humanismo absoluto toma então uma forma nova que originará os regimes totalitários e que prevalece hoje cada vez mais. A reivindicação de independência absoluta transita do homem individual ao homem coletivo: é a coletividade que se atribui uma independência e soberania absolutas e se considera livre de qualquer verdade e de qualquer lei superior que se lhe imponham. O indivíduo torna-se então um simples instrumento do poder coletivo”. É o que ocorre nas sociedades comunistas.
O humanismo absoluto do homem contemporâneo é uma conseqüência da secularização ou dessacralização das mentalidades e das instituições, que teve início no outono da Idade Média e no dealbar da Renascença pagã e do protestantismo. A dessacralização penetra hoje na própria Igreja, não sendo, pois, de admirar que até mesmo certos católicos – quando não sacerdotes! – venham a público defender o divórcio, postergando assim o caráter sagrado do matrimônio.

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